Um dos riscos corremos ao olhar para o passado é de ser tomado pela nostalgia. Ao se contar a história dos grandes times do futebol é muito comum que as vitórias sejam exaltadas e as derrotas sejam olvidadas.
Um desavisado pode achar que o ano de 1983 foi um mar de rosas para o Grêmio. Mas o olhar mais atento revela que isto esta longe de ser verdadeiro. O clube começou o ano tendo que readequar o seu orçamento, mas ainda assim se mantinha razoavelmente bem na Libertadores e no Brasileirão, que eram disputados concomitantemente naquela temporada.
O campeonato nacional, então chamado de Taça de Ouro, era disputado por 44 equipes, que precisariam passar por 3 fases de grupos antes do derradeiro mata-mata a partir das quartas-de-final. Apesar de ter avançado as duas primeiras fases do Brasileiro e estar liderando o seu grupo na Libertadores, o Grêmio sofria com algumas turbulências no primeiro semestre de 1983.
Espinosa não conseguia definir a sua formação ofensiva ideal. Renato sofria com lesões, além do problema da sua lendária indisciplina. A defesa tricolor também recebia críticas. Paulo Roberto era convocado para a Seleção Brasileira, mas sobrava do banco no Olímpico e reclamava publicamente disso. E o goleiro Remi tinha atuações inconstantes (Um belo exemplo disso foi o jogo contra o São Paulo no Morumbi, onde ele fez um gol contra, mas defendeu dois pênaltis). Koff reclamava da comissão de arbitragem, tendo se queixado da escolha de Arnaldo Cesar Coelho para São Paulo x Grêmio.
No dia 30 de abril de 1983, o Grêmio receberia a Ferroviária de Araraquara no Olímpico. Era a última rodada do Grupo S, que tinha ainda Sport Recife e São Paulo. O time do interior paulista já estava eliminado e o Grêmio precisava apenas de um empate para passar a próxima fase. AFE vinha até Porto Alegre sem o seu treinador (Sebastião Lapola foi assumir as seleções de base da CBF). A tarefa tricolor parecia ser simples.
Mas a tragédia aconteceu. Motivada pela promessa de uma vultuosa mala branca vinda do Sport e São Paulo, a Ferroviária surpreendeu o Grêmio. Com 4 minutos, Bozó abriu o placar para os visitantes. Aos 22 Casemiro, contra, marcou o segundo. Remi não esboçou reação em nenhum dos lances. O tricolor teve muita dificuldade em se recompor. Só foi conseguiu descontar aos 26 do 2º tempo, num belo chute de Bonamigo. Mas a reação parou aí. Tita foi expulso ao acertar uma voadora no zagueiro Arouca (foto acima) , e aos 46 minutos do segundo tempo, Douglas Onça marcou o 3x1 que eliminou o Grêmio.
Já disse aqui no blog que naquela ocasião a diretoria mostrou total confiança no trabalho de Valdir Espinosa. Mas é interessante registrar que a derrota serviu para que fossem efetuados alguns ajustes no time gremista. Paulo Roberto voltou a ocupar a lateral direita, Baidek ganhou uma chance entre os titulares e a direção foi em busca de um novo goleiro para a sequência da temporada.
REMI: "Falam que eu não me
movimentei nos dois gols. E adiantaria? Adiantaria ir atrasado? Para
que? Talvez fosse bonito para todos, que o goleiro batesse com a cabeça
no poste. Seria bonito, mas doeria, prá caramba";
REMI: "No
primeiro gol o atacante adversário chutou da marca do pênalti e eu não
consegui me mexer. O segundo foi contra. Por azar, a bola tocou no pé do
Casemiro e desviou a sua trajetória. E no terceiro gol o cara entrou
sozinho e quando eu sai colocou a bola por cima de mim. Que culpa tenho
eu?"
REMI: "Não
sei o que eles querem. O primeiro gol foi uma jogada organizada pelo
ataque da Ferroviária em que o cara chegou sozinho. No segundo, a bola
bateu em Casemiro e desviou de mim. Acho que me escolheram para Jesus
Cristo. O futebol é muito passional. Eu não aceitei quando me chamaram
de santo porque falhei naquele jogo. Não sou santo nem Jesus Cristo. Se
eu defendesse seria um herói. Errei porque toda a equipe errou. Eu estou
com a minha consciência tranqüila porque acho que eu fiz um trabalho
honesto. Goleiro não tem que fazer milagre. Goleiro tem que defender. E
isso eu fiz. Meu trabalho não tem nada a ver com a derrota."
TITA: "Fui expulso por querer defender meu companheiro. Jamais vou admitir que alguém faça o que ocorreu com Osvaldo. De cabeça fria, não teria feito o mesmo. Mas naquela hora é impossível pensar duas vezes. Eles estavam exagerando no jogo desleal, tinha que tomar providências"
TITA: "Quando o juiz expulsou, vi que Arouca ia bater no Osvaldo. Então, fui defender o Osvaldo. Foi uma atitude antiprofissional minha. Arrependo-me dela. Mas acontece que foi instintiva. Você vê um colega seu ser atingido e vai defendê-lo. Foi o que fiz"
Valdir Espinosa, técnico do Grêmio: "É natural que agora surjam as críticas, mas nós fizemos um trabalho consciente, com muita seriedade e que acreditamos ter sido bem feito. O que aconteceu foi que perdemos um jogo que não podíamos perder."
Roberto Brida, técnico da Ferroviária: "O Grêmio entrou confiante demais. Levou um gol e se perturbou. Depois jogo errado. Em vez de tocar a bola, como sabe, passou a fazer centros para a área, consagrando o meu goleiro e os meus zagueiros."
"Apenas o zagueiro Pinheirense parecia querer festejar, desprezando a moderaçao de seus companheiros: - Antes do jogo, o presidente Parelli telefonou e disse que havia um prêmio extra do São Paulo. Agora, acho que vamos ganhar também do Sport, pois garantimos a classificação dos dois. Qunato mais dinheiro melhor" (Folha da Tarde - 2 de maio de 1983)
"A Ferroviária chutou quatro e fez três no Grêmio, bom no ataque mas falho na defesa" (Divino Fonseca - Revista Placar)
"Entre as lições da derrota, talvez fique uma que os dirigentes e jogadores já deviam ter aprendido há muito tempo: a inutilidade de pressionar a arbitragem. O tal Pedro Bregalda era desconhecido, realmente, mas teve uma atuação honeste e tranqüila. Antes de fazer críticas aos juízes, a direção do Grêmio deveria preocupar-se com coisa mais graves, como a identidade do elemento que invadiu o campo ao final e agrediu um jogador do Ferroviária" (Nílson Souza - Folha da Tarde - 2 de maio de 1983)
"Atuação do JuizNota: 3Pedro Bregalda foi um árbitro que dirigiu um jogo muito confuso. Prejudicou o Grêmio ao não assinalar dois pênaltis. Um sobre Renato que ele preferiu interpretar como obstrução de Arouca (que empurrou o ponteiro) e um sobre Osvaldo, derrubado na área por Divino, aos 18 minutos do segundo tempo. Além disso, esteve sempre mal colocado dentro do campo. Fez que não viu muita coisa na pancadaria quase geral, expulsando Arouca e Tita de campo quando muita gente andou trocando socos e pontapés. Nota 3" (Zero Hora - 2 de maio de 1983)
Grêmio 1x3 Ferroviaria de Araraquara
GRÊMIO: Remi; Silmar, Newmar, De Leon e Casemiro; China (Bonamigo), Osvaldo e Tita; Renato, Caio e Tonho (Tarciso).
Técnico: Valdir Espinosa
FERROVIARIA: Abelha; Marinho, Arouca, Pinheirense e Divino; Sidnei, Júnior e Douglas Onça; Jorginho (Fernando), Claudinho e Bozó.
Técnico: Roberto Brida
Data: 30 de abril de 1983, sábado, 16h00min
Local: Estádio Olímpico, em Porto Alegre (RS)
Público: 26.846 pagantes
Renda: Cr$ 16.122.000,00
Árbitro: Pedro Carlos Bregalda (RJ)
Auxiliares: Elcio Pessoa e Teodoro Castro Lino
Cartões Amarelos: Douglas Onça, Bozó, Marinho, Sidnei e Newmar
Cartões Vermelhos: Arouca (AFE) e Tita (Grêmio)
Gols: Bozó, 4’ e Casemiro (contra), 22’ do 1º; Bonamigo, 26’/2º e Douglas Onça, 46’ do 2º