quarta-feira, abril 06, 2011

"O cronista deve torcer no futebol?"

O Stenio Essinger Veiga teve a gentileza de mandar um vasto arquivo com imagens da sua coleção de livros e revistas do Grêmio.

Destaco um artigo do jornalista Jesus Afonso, publicado na revista do Grêmio de março de 1961.

O tema é a preferência clubística dos jornalistas esportivos. Impressionante como algumas reflexões feitas no texto permanecem atuais, mesmo depois de 50 anos da sua publicação:



O cronista deve torcer no futebol?
(De Jesus Afonso, especial para a Revista do Grêmio)

Meus amigos, hoje responderei por intermédio da Revista do Grêmio, às inúmeras cartas que tenho recebido. Terei que me defender com unhas e dentes, porque os perguntadores queriam me escalpelar como os índios apaches fazem com os brancos nas fitas de cinema. E uma das perguntas que me assacaram várias vezes foi essa: “DEVE TER O CRONISTA ESPORTIVO UMA PREFERÊNCIA CLUBÍSTICA E, NESSE CASO, CONFESSAR A SUA PREFERÊNCIA?”

Eu sou, entre outras coisas, cronista esportivo que se diz gremista. Como tricolor confesso: “SIM”. Hoje, nesta reportagem, apanhei o tema para desenvolvê-lo. Amigos, eu considero o imparcial um monstro, um Quasimodo sentimental, quase uma besta fera. Jamais, em toda a minha experiência profissional, encontrei alguém que não fosse um torcedor nato e hereditário. Todas as nossas impressões vêm aquecidas de afetividade. E só um impotente de sentimento pode viver sem torcer.

Digo “torcer” em todos os sentidos. Viver é torcer por idéias, por pessoas, por ideais. E o sujeito que consegue uma isenção total, não se apaixona, que não modifica emocionalmente a imagem do mundo, esse sujeito sofre de uma moléstia grave. Ele deve procurar com urgência um psicanalista mais caro. Se a “torcida” é um fenômeno vital obrigatório, como deixar de torcer no futebol?

Com isso eu penso estar justificando a minha nítida, taxativa torcida tricolor. Eu não tenho vergonha, de, como jornalista, preferir um clube. Pelo contrário: teria vergonha inversa, isto é, de não preferir clube nenhum. O cronista esportivo que, por uma exigência profissional está dentro do esporte, tem a obrigação de escolher um clube e de vibrar com ele. Alguns tentam esgar imparcialidade. Mas são os simuladores ou conscientes ou involuntário. Eu acredito que um torcedor feroz possa em são consciência, desconhecer a própria torcida.

Eu tenho um colorado fanático. Qualquer participação do internacional em qualquer modalidade esportiva, o inflama o inspira. Se o “Clube do Povo” disputar um campeonato de cuspe a distância, lá estará o referido colega, de lábio trêmulo e olho rútilo. Pois bem, esse rapaz vive clamando, pelas esquinas e pelos cafés: - “Eu não tenho clube!” É capaz de jurar, de dar sua palavra de honra pela própria imparcialidade.

E há os que, como eu, confessam, clamam sua preferência clubística. Sabe-se que o Sr. Cid Pinheiro Cabral é colorado e que eu me lembre, ele jamais o negou. Agora outra observação: o fato de ser o cronista um torcedor confesso, longe de prejudicar a sua honestidade de informação e de crítica, cria, pelo contrário, uma indeclinável exigência ética. Ele não poderá desfigurar, conscientemente, os fatos, porque está sob a vigilância de todos e obrigado a uma severa auto-crítica.

Desenvolvi todo o raciocínio acima para justificar minha simpatia pelo Grêmio. Estamos no início da temporada futebolística de 1961 e o Grêmio prova que é a maior organização do estado. O Grêmio gasta com aquisições decisivas e há, em futebol, digo “futebol profissional”, uma lei eterna: é preciso gastar muito para ganhar muito também. Não é chorando níqueis, não é chorando tostões, que um clube pode aspirar às grandes rendas.

Mas o pior não é isso. O pior, o trágico é que apresente o Grêmio ou não o pior team do mundo e eu estarei torcendo e sofrendo por ele, com um fatalismo trágico e obtuso.

O CRONISTA DEVE VER AS EQUIPES ASSIM A DISTÂNCIA?


5 comentários:

dat disse...

Grande txt kra. Atualíssimo. Deveria ser lido por toda imprensa que se diz isenta no RS, leia-se vermelha enrustida.
Sds TRICOLORES.
Alento sempre, na boa e na ruim.

martina disse...

acho que assumir sua preferência clubística acaba de uma vez por todas com tanta falação e acusação, que deve causar um desgaste enorme.
torcer (ou não) não vai fazer do cara um pior (ou melhor) jornalista.

mais do que clubismo, eu vejo na cobertura esportiva uma certa preguiça de ir a fundo na matéria, de checar fontes, procurar a informação consistente.

mas tá, não sou jornalista, fica fácil falar.

Strenght In Numbers disse...

Já naquela época se sabia que "no “futebol profissional”, uma lei eterna: é preciso gastar muito para ganhar muito também. Não é chorando níqueis, não é chorando tostões, que um clube pode aspirar às grandes rendas."

O Grêmio passou anos chorando as migalhas e sem títulos, enquanto o seu co-irmão esbanjava dinheiro em contratações e conquistava os grandes títulos que só nós tínhamos. Está na hora de mudar isso.

Carlos disse...

Basta ver um cara q é colorado assumido e, porém, muito respeitado: Adroaldo Guerra Filho.
Ridiculo é ver varios (gremistas ou colorados) que ficam se fazendo, e brabinhos ao serem chamados do q realmente são: Enrustidos.

Baita texto, AK.

Keiko disse...

Maravilhoso texto. Nao somente atual para o futebol, mas tambem para a vida. Se a gente tivesse mais gente, com essa clareza, talvez o mundo fosse um lugar mais harmonioso.